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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Excipit - Do restaurante a São Paulo

Este blog começou como um lugar para anotar os textos em andamento que prometi mandar com regularidade para o site do eno-jornalista mineiro Gerson Lopes. Degringolou para um experimento de redação sobre vinho e comida mas agora parece que ando escrevendo só pra mim, já que comecei a me aprofundar nos temas do meu curso deste ano. Esta é a última (já vem tarde) parte da explicação de como cheguei aqui. A primeira parte está aqui, a segunda aqui e aqui você pode ver uma versão cômica do Batman em espanhol, pra rir um pouco também.

Como dizia, em meio ao turbilhão de coisas que arranjei para fazer, essa história de provar vinho e escolher vinho e montar uma carta aqui outra ali, percebi que dispendia um tempo (e um dinheiro) em me preparar para o assunto que estava começando a se tornar "inconveniente" para as outras coisas.

Decidi que ou me envolvia de fato com o negócio ou parava de vez e, claro, parar de vez não me pareceu a melhor escolha. Aproveitei uma vaguinha que me parecia promissora numa distribuidora, já que eram vinhos com os quais eu tinha bom contato e não havia um exército de outros iguais a mim com quem poderiam me confundir lá.

Entre minhas tarefas estavam as habituais visitas comerciais a restaurantes para fazer vendas, controle de consignações e um socialzinho meio sonolento, mas a parte bacana estava lá, me esperando: comecei a montar organizadamente fichas técnicas "humanizadas", com um conteúdo que interessa a quem simplesmente gosta de vinho e ao pessoal dos restaurantes, ou seja, nada de dosagens químicas e o mínimo possível de enologiquês, que interessa só a quem se interessa de fato.

Com ânsia de uma preparação mais "formal", escrevi ao estrangeiro perguntando e descobri que talvez a melhor forma fosse me formar aos poucos pelo WSET, um sistema inglês de qualificação em vinhos que pode levar (dizem) ao título de Master of Wine. Além disso, assumi o comando de algumas degustações e tive de realizar um estudo para e a criação de fato de um wine bar, que me fez perder um bocado de cabelos e de quilos, mas, ora bolas!, era o que fazia meus dias divertidos.

Uma das visitas mais sociais a um restaurante.
Dois garçons ao fundo me observam apresentando nosso catálogo ao proprietário e ao sommelier.

Uma pasta com as fichas e uma recepção a estrangeiros com tradução instantânea de degustação acabaram despertando a atenção do nosso importador em São Paulo e minha chefe em Belo Horizonte certamente fez sua parte para ajudá-lo a se convencer de como eu poderia ser-lhe útil. Depois de alguns meses de conversas e rodeios, vim a São Paulo e fiquei por aqui, comendo, bebendo e perambulando por aí...


Espero não ter desapontado ninguém (se é que alguém chegou até aqui). Bom proveito e bons vinhos!


Agora acabou!

sábado, 8 de dezembro de 2007

Vinho e Tecnologia ou Pequeno Dicionário da Manipulação Enológica

Dentro do eterno embate entre a tradição e a inovação, o vinho ocupa um espaço de destaque. Um dos produtos mais antigos da história da humanidade (considera-se que exista vinho desde o surgimento das primeiras civilizações e há provas de produção planejada há cerca de 10.000 anos), o vinho é para muitos um dos últimos laços da cultura humana com a natureza, uma união evidente entre o "milagre natural" e o engenho do homem.

Talvez a mais impactante discussão (há várias relacionadas ao assunto) seja a da manipulação do vinho. Enólogos, apreciadores e críticos mantêm um judô verbal sobre o uso das mais avançadas técnicas de produção para a elaboração da bebída mítica e cada lado apresenta argumentos sólidos em defesa da própria opinião.

De acordo com Jamie Goode, vencedor do prêmio "Glendiffich Wine Writer of the Year" de 2007,
"o vinho é uma das raras bebidas alcoólicas que, uma vez que as uvas tenham sido colhidas e colocadas em um vasilhame, pode mais ou menos produzir a si mesmo. Porém, os enólogos quase sempre intervêm de várias maneiras para conseguir determinada qualidade ou objetivos estilísticos."
Goode me parece ser uma boa referência quando se trata de polêmicas: é um realista, defensor do equilíbrio. Defende a busca pela pureza, o uso da tradição, em combinação com o que a ciência e a tecnologia pode oferecer de melhor.

São raros os que analisam a situação de maneira (o máximo possível) imparcial:
  • Há os que ouvem meias-histórias e dizem meias-verdades;
  • Há os caça-níquel, que pouco se interessam pela cultura do vinho, pela natureza do lugar onde é produzido e pelas nuances e sutilezas de um produto único e simplesmente querem aproveitar um nicho de mercado em crescimento e lucrar o máximo possível com ele.
  • Há retrógrados e apegados ao passado, que se negam a aceitar mudanças e incorporar as novidades.
  • E há também todo tipo de experimentadores, que buscam a excelência e a qualidade, seja através da máxima pureza que da tecnologia de ponta.
As inúmeras técnicas aplicadas à produção enológica vêm se acumulando desde tempos imemoriais: o uso da madeira, por exemplo, é de uso comum para o armazenamento do vinho desde os tempos do Império Romano, ainda que seus efeitos sobre a bebida não fossem plenamente compreendidos. Algumas dessas técnicas se consagraram e tornaram-se quase indispensáveis para a produção moderna, em busca de vinhos rentáveis e apropriados ao paladar atual, embora muitos se esqueçam, com alguma freqüência, de quão intrusivas as mesmas podem ser.

Ao longo dos próximos artigos, vou procurar definir algumas dessas técnicas, suas vantagens e desvantagens e, em particular, qual a diferença entre o uso despropositado e a sua devida aplicação.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Tecnologia a Serviço do Vinho

Para dar início ao próximo tema de debate:

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Desenvolvimento

Este post conta um pouco (demais) da minha história. O início está aqui, se quiser passar a algo um pouco menos maçante, clique aqui.

Como ia dizendo, gastei algumas dúzias de horas da minha vida caminhando quilômetros em um salão de 30 metros quadrados. Nesta época, ainda na escola secundária, alimentamos por algum tempo a idéia besta de ter um bar na casa de alguém, de forma a poder reunir-nos sem gastar uma fortuna, escolher boa música e beber coisas boas.

Não sei bem quando, as mesmas maquininhas que construíram o Ad Poculum Vini deram para elaborar um bar móvel, que tivesse como servir minimamente bem, sem as obrigações de todo tipo criadas pelas raízes (inclusive freqüência). Foi no Santonim, após um dos turnos de trabalho na padaria, que expus pela primeira vez essa idéia.

Me tornei aos poucos o responsável pela carta do restaurante, passando a experimentar vinhos semanalmente e selecioná-los. Comecei a comprar revistas e logo livros, em busca de justificar minhas escolhas com um mínimo de referências e foi justamente aí, em especial através de uma cliente que era também fornecedora, que o vinho passou a me perseguir. Comecei a organizar o serviço das degustações (os míticos Flights de Vinho da Dulce) e a experimentar cada vez mais vinhos de variados tipos e níveis de qualidade.

Por volta de um ano depois daquela noite no Santonim, uma das minhas companheiras de trabalho, que é atriz mas sempre esteve enfiada na cozinha, me perguntou se eu não tinha uma idéia pra um negócio em que ela pudesse investir o dinheiro que tinha guardado. Essa conversa somou-se à do restaurante e durante cerca de 2 anos fomos três escravos do trabalho, praticamente planejando e implementando um novo restaurante a cada mês. Foram, no total, 10 diferentes restaurantes criados em vários ambientes pela cidade, muitas vezes "reformados" com nossas próprias mãos (e as de alguns queridos amigos).

O Itinerante

Mais ou menos por aí, inaugurou-se a primeira turma do curso de Gastronomia em Belo Horizonte. Juntei minhas fichinhas morais e informei a meu pai que era isso aí mesmo que eu iria estudar e fui lá fazer a inscrição. O curso provocaria um verdadeiro malabarismo de horários, divididos entre o trabalho na padaria, meus estudos pessoais de Logosofia, um namoro intenso e o projeto meio louco do Itinerante.

Incipit - da escola ao trabalho

A meu pedido, já há alguns meses, uma querida jornalista de eno-gastronomia foi gentil em dar uma lida no blog e enviar-me suas opiniões. Ela foi enfática em ressaltar: "Acho que você poderia se identificar um pouco mais. Acho que ajuda a criar a confiança no leitor sobre quem é este cara que está escrevendo sobre vinhos."

Demorou, mas decidi escrever (talvez um pouco demais) contando como foi que vim parar aqui. Pra quem quer ganhar confiança, ou não tem medo de perder a que talvez já tenha, coragem, lá vamos nós:


Tive a boa estrela de estudar meu segundo grau numa escola um tanto diferente, mas que, como toda escola, oferecia aos estudantes oportunidades pelo menos anuais de apresentar seus trabalhos e demais criatividades para os pais e colegas.

Nessa época, como bom adolescente, eu gastava boa parte do meu tempo útil imaginando coisas para fazer da vida ao invés de prestar atenção às aulas de Latim - e acredite, em 4 anos há muito tempo para imaginar, enquanto o professor recita as Catilinárias.

Marcus Porcius Cato (acima), autor das Catilinárias:
Dum praedicaba
Nazareno, cogitatione Beda iter faceba.

Um dos muitos esboços que fiz, junto a tabuleiros de lig-4, batalha naval e jogos de palavras absurdos, foi uma espécie de taverna, inspirada por algum lema latino do porte de "In Vino Veritas", com balcão e bebidas e ares de antro de rufiões e soldados que, após alguns dias de maquinações mentais e a colaboração de outras mentes férteis, veio a tornar-se o Ad Poculum Vini (Ao Copo de Vinho), provavelmente o primeiro restaurante estudantil da escola, durante a famigerada feira de cultura.

Com um pouco de pesquisa e excesso de imaginação, criamos um barzinho escuro e super-aquecido pelo teto baixo de tecido utilizado para compor uma ambientação. Movido a tortas, pães, chás exóticos, música de época, figurinos estrambólicos e qualquer coisa que tenhamos podido empurrar como "medieval", o restaurante desencadeou um processo do qual muitos saíram ilesos, mas eu não.

Mais ou menos na mesma época, comecei a trabalhar como garçon em uma padaria/bistrot que é referência há muito em Belo Horizonte, onde passei a tomar contato com as bases da cozinha internacional: ingredientes, métodos de cocção, receitas tradicionais. A influência que tiveram esse lugar e as pessoas que eu conheci aí nas minhas escolhas futuras poderia ser descrita como criminosa por meu pai, que alimentava não muito secretamente uma esperança de que eu viesse a me formar em Direito ou algo que o valesse.

A primeira Casa

Era recorrente que as noitadas entre os amigos se transformassem em pequenas orgias alimentares e eu passei a integrar o time dos que iam para o fogão, sem maiores motivos além do de que tínhamos talvez mais paciência e um risco menor de arruinar a comida que os outros. Enquanto isso, na Sala da Justiça (Gastronômica), eu aproveitava qualquer oportunidade de trabalho pra sacar um dinheirinho enquanto aprendia aqui e ali a fazer alguma coisa da vida, participando de feiras de gastronomia e eventos com a padaria.

A coisa tomou rumo mais definido quando a gerente da casa decidiu montar seu próprio restaurante - o infelizmente falecido Santonim - e me deixar temporariamente no lugar dela. As conseqüências foram desastrosas: o temporariamente se alongaria por cerca de dois anos, durante os quais eu passei a freqüentar degustações de vinho, conhecer fornecedores, participar ativamente do dia-a-dia do restaurante e organizar uma equipe que unia o que se havia peneirado do grupo que eu integrava com gente selecionada e treinada pelo meu próprio punho, me levando a duas idéias que me condeneriam até hoje.

Continua aqui.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Be Fresh

Descobri ontem acompanhado da Gaya um refúgio no Itaim: recém-inaugurado, o Be Fresh é um restaurante de comida alternativa e, mais precisamente, "saudável". Normalmente, eu fujo um pouco de vegetarianismos e outros movimentos meio hippie-gastronômicos, mas o lugar me fisgou rápido, só de olhar.

O espaço é muito agradável: amplo, claro e com uma brisinha leve constante. A sensação é de estar no Rio de Janeiro e não no meio do concreto paulistano.
O serviço, apesar de talvez ainda um pouco verde, sem prática, é um dos melhores que eu já encontrei em São Paulo (paradoxal, não?). Os garçons são jovens, atenciosos e conscientes dos produtos que estão servindo.

Importante: come-se de tudo. Há muitas saladas, é claro, mas também sanduíches (em pães muito bons, que parecem produzidos na própria casa), pratos quentes e entradas. Querendo, come-se até hamburguer ou carnes grelhadas. Vale provar o sanduíche italiano no pão com linhaça e o prato de camarões num misto de arroz selvagem e integral com cravo, mas sem enjoar.

Os sucos, processados em centrífuga, são densos e saborosos, doces sem nada de açúcar adicionado: a centrífuga processa bem as frutas, separando a parte fibrosa e colocando todo o resto no copo. Há combinações interessantes, mas os simples tangerina e melancia refrescantes e gostosos.

Um problema: as cadeiras são muito confortáveis, mas do tipo que não permitem apoiar as costas enquanto se come... há também sofás bem agradáveis e conexão wi-fi gratuita. Bom pra tomar algo e trabalhar ao mesmo tempo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Degustador Perfeito

"O filósofo, David Hume, perguntou se haveria um padrão para o gosto. A solução de Hume foi confiar na excelência de juízes ou críticos que
  • mostrassem delicadeza de julgamento;
  • fossem livres de preconceitos;
  • pudessem basear-se numa ampla gama de experiências para comparações;
  • prestassem a devida atenção e
  • não se deixassem ofuscar pelo humor"
A discussão vai mais longe que isso, mas meus padrões pessoais como degustador sem dúvida terão um arquétipo, de agora em diante.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Vinho e Movimento

Leia a introdução deste artigo em "Matt Kramer e o Armazenamento de Vinhos"

O segundo aspecto analisado por Matt Kramer em seu livro "Making Sense of Wine" - que, vocês já sabem, foi lançado no Brasil há pouco - é o movimento. Todo mundo já leu, ouviu, viu, que a adega ou o lugar onde o vinho vai ficar guardado tem de ser também "tranqüilo". As vibrações, segundo os especialistas, são maléficas para o vinho e aceleram seu envelhecimento.

Kramer começa contando a história de um comerciante de vinhos de Bordeaux, Edouard Kressmann. O pai de Kressmann pensou ter descoberto um paralelo entre a amplitude da onda da vibração e o quanto a mesma é capaz de acelerar o envelhecimento do vinho e "inventou" um método que ele chamou de "envelhecimento por concussão". O tal método consistia em fazer seu filho Edouard espancar repetidamente uma espécie de cone de bronze preenchido com vinho, com o único resultado, é claro, de exaurir o rapaz e talvez gerar-lhe umas dores musculares.

Outra história contada no livro fala do moleiro que, não tendo vinho no ponto de amadurecimento para o casamento da filha, teve a seguinte (e fabulosa) idéia: amarrar seus barris nas pás do moinho para que este, girando, acelerasse o desenvolvimento da bebida. Sem dúvida o que ele conseguiria de mais relevante seria cozinhar seu vinho no calor...

De acordo com os experimentos do Dr. Singleton, da universidade de Davis, na Califórnia, as vibrações comuns em nosso dia-a-dia são insuficientes para gerar qualquer tipo de defeito em um vinho. Para que a vibração torne-se algo danoso, é necessário que esta seja intensa e constante, de modo a afinar continuamente uma eventual borra, tornando-a tão fina que seja incapaz de assentar-se, o que mantém o vinho constantemente turvo e influencia seus sabores.

Portanto, a vibração gerada por carros na rua, passos no assoalho e aparelhos de ar-condicionado, fica descartada como fator de agressão ao vinho.
Por outro lado, diz o doutor, movimentar as garrafas pode ser altamente arriscado: transportar o vinho de um lugar a outro quer dizer, quase sempre, expô-lo a condições altamente prejudiciais à sua qualidade.

Apesar de movimentos bruscos também serem potenciais "contaminadores" do vinho fazendo levantar as borras o que, especialmente em vinhos mais velhos e delicados, pode ser um problema difícil de resolver, as condições a que se refere o Dr. Singleton são outras: normalmente, quando em viagem, as garrafas são expostas a temperaturas elevadas, essas sim efetivamente inimigas da vida do vinho.

O próximo trecho trata justamente de como o vinho se comporta sob influência de diferentes temperaturas.

Vinho sem (muito) mistério - e em Português

Desde que encontrei numa pilha no escritório em que trabalhava em Belo Horizonte uma velha cópia re-encadernada do livro "Making Sense of Wine", de Matt Kramer, ele tornou-se basicamente o meu livro-referência de vinho.

Citei-o algumas vezes nos meus textos e está em andamento uma seqüência totalmente baseada nos artigos de Kramer sobre o armazenamento do vinho. A desenvoltura com que ele fala dos assuntos mais cabeludos, mais debatidos e mais controversos me prendeu ao livro e me fez sentir livre de algumas amarras que o primeiro impacto do mundo do vinho freqüentemente impõem.

Fiquei bastante feliz quando adquiri uma cópia re-editada e atualizada há pouco tempo via Amazon.com - a minha mais forte aliada na luta contra a sobrecarga de preços dos livros importados nas livrarias nacionais - mas me deixou ainda mais feliz ver que o mercado editorial brasileiro está investindo em livros de alta qualidade técnica para um dos públicos (embora restrito) mais exigentes do mundo no quesito conhecimento enológico: dois dos mais importantes autores de vinho acabam de entrar para o rol dos que poderão ser encontrados nas nossas prateleiras e o que é melhor - e indispensável para muitos - em bom português:

O primeiro deles, é claro, é Kramer. Com o nome de "Os Sentidos do Vinho", a editora Conrad traz para nós um "manual de libertação das amarras", um verdadeiro derrubador de mitos. O livro está sendo vendido nas livrarias por acessíveis R$43,00 - embora eu deva fazer notar que o original em inglês, comprado novo pelo site americano, com o frete e o atual câmbio, saia por menos de R$40,00.

O segundo livro, na verdade, tem seu lançamento previsto para Setembro de 2008 no Brasil, mas já deve ser comemorado como conquista brazuca: a editora Nova Fronteira comprou os direitos de publicação do indispensável Atlas Mundial do Vinho, de Hugh Johnson e Jancis Robinson. Completamente revisto e ampliado, dando mais destaque às regiões produtoras em ascenção (entenda-se em particular Argentina, Chile, e China, entre outras), o Atlas chega à sexta edição trazendo a feliz notícia para os eno-cartófilos nacionais.

Restam, porém, um e outro livro fundamental que eu gostaria muito de ver na prateleira. Seguem as minhas sugestões:

  • A História do Vinho, de Hugh Johnson - foi publicado pela Companhia das Letras, esgotou e não houve re-edição recente... Porque será?

  • Adventures on the Wine Route, de Kermit Lynch - considerado leitura obrigatória no meio, é uma espécie de "On the Road" enológico que conta as viagens do primeiro importador de vinhos moderno norte-americano pela França.

  • Questions of Taste - Philosophy of Wine, de vários autores - recém-lançado lá fora. Estou aguardando minha cópia, então ainda não posso dizer muito. Porém, o livro trata justamente de algumas das questões mais polêmicas (gosto, notas, preços) e alguns dos aspectos mais intimidantes do vinho (a descrição das características, os aromas, a percepção da bebida).

  • O Gosto do Vinho, de Émile Peynaud - O professor Peynaud talvez seja o maior contribuinte contemporâneo para o desenvolvimento das técnicas de produção de vinho. Seu livro de prova, muito técnico, existiu em português em edição lusa, hoje também esgotada.

  • Teoria e Prática da Degustação dos Vinhos, de Giancarlo Bossi - renomado degustador e autor italiano, chegou a ter seu livro traduzido e publicado no Brasil na década passada. Nadica de nada nas lojas hoje.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Vinho e Umidade

Leia a introdução deste artigo em "Matt Kramer e o Armazenamento de Vinhos"

Normalmente se diz que uma adega adequada deve reter uma certa umidade (a quantidade varia, mas normalmente fala-se de cerca de 70%). A explicação habitual é que a umidade ajuda a rolha a conservar-se intumescida e a isolar o vinho.

Kramer ressalta que, em boa parte, o mito da umidade das adegas provém do estereótipo das tradicionais adegas européias (em especial inglesas e francesas) naturalmente muito úmidas e seguramente muito eficientes para o amadurecimento de vinhos.

Em uma época em que os vinhos eram engarrafados nas próprias casas, vendidos em barris mesmo para "clientes finais", a umidade pode ter cumprido um papel muito importante: ajudar a manter as tábuas das barricas (muito absorventes) úmidas e, portanto, bastante juntas e firmes dentro dos anéis.

Atualmente a quase totalidade do vinho é vendido ao consumidor final já engarrafado, cuidadosamente isolado do externo pelo vidro da garrafa e pela rolha de cortiça. A cortiça é utilizada para produzir a rolha justamente por sua capacidade de se aderir às paredes do gargalo e de retornar ao seu formato original após grande compressão, não permitindo a passagem de coisa alguma.

Me parece um tanto óbvio que, se a cortiça pudesse absorver umidade significativamente, a mesma não poderia ser utilizada para isolar vinho, não? Com mais ou menos tempo, a mesma iria absorver quantidades significativas de vinho(!), coisa que não acontece e é facilmente observável: basta corta a ponta da rolha em contato com o vinho e verificar até onde houve absorção de líquido.

Além disto, é fácil notar que as cápsulas de fechamento das garrafas, produzidas atualmente com alumínio ou plástico, são plenamente impermeáveis e, normalmente, possuem no máximo dois furinhos por cima, dificultando ainda mais o acesso à umidade (não vamos nem falar das garrafas seladas com cera - costume bastante difundido antigamente).

Daí que também outro mito da armazenagem fica em xeque: Se a rolha não necessita da umidade para se manter intacta, manter as garrafas deitadas serve para que? Um estudo inglês, de Long Ashton, constatou que, em dois anos de armazenamento, não houve diferenças significativas entre garrafas mantidas de pé ou deitadas - com a exceção de que as de pé se tornaram mais difíceis de se abrir.

"Infernot", uma adega escavada no Piemonte, na região do Barolo, uma das regiões em que as garrafas são tradicionalmente acondicionadas em pé.


Laureano Gomez, enólogo das Bodegas Salentein, observa, porém, que "manter as garrafas deitadas nos permite perceber se houver vazamento de vinho", um indicador de que, talvez, também possa ter havido entrada de ar na garrafa, comprometendo a saúde do precioso líquido.

Nos próximos artigos, veremos os outros itens-chave do armazenamento colocados em foco por Kramer para que cada um possa decidir o que considera a melhor forma de armazenar os próprios vinhos.

Matt Kramer e O Armazenamento de Vinhos

Segundo Matt Kramer (na foto ao lado), escritor e colunista da Wine Spectator, o vinho que cabe no seu bolso é aquele que você pode comprar em caixa de 12 e abrir as garrafas em períodos regulares de tempo para observar as mudanças no vinho. Ao término da caixa, você acaba por conhecer intimamente aquele vinho!

Seria ótimo se todos pudéssemos ter "caixas de 12" em número suficiente para beber diferentes vinhos e ainda tornarnos íntimos deles, mas o grande desafio está em encontrar o equilíbrio entre o que queremos e o que podemos, de fato, pagar.

Independente de quanto e como bebemos, uma das questões mais tratadas (ou mal-tratadas) do mundo do vinho é o quando, que depende do armazenamento do vinho. No mesmo livro em que avalia nossa relação bolso/vinho, Kramer faz uma interessante análise da quantidade de informações deturpadas, desatualizadas e mal-aplicadas que são veiculadas sobre a estocagem de vinho.

"As adegas: você está pronto para a realidade?"
Com este título, um inteiro capítulo dedica-se a desmanchar uma série de "lendas" do vinho. Garrafas deitadas para manter a rolha úmida? Luz de velas para entrar em uma adega subterrânea? A temperatura não pode variar?

Quantas são as regras comumente veiculadas pela mídia, pelos especialistas e pelos chatos de plantão? Sem dúvida elas não existem sem fundamento, mas algumas análises de importantes laboratórios científicos mostraram que a maioria delas simplesmente parou no tempo...

De acordo com Kramer, os estudos mais importantes e conclusivos foram elaborados pelo Dr. Vernon L. Singleton, na Universidade de Davis, na Califórnia; no Centro de Pesquisas de Long Ashton, em Londres; e na Universidade de Bordeaux, pelo Professor Ribereau-Gayon.

Seguindo o roteiro do capítulo, vejamos algumas das mais famosas regras da adegagem questionadas pelos pesquisadores (e pela lógica):

Vinho e Umidade
Vinho e Movimento

próximos temas:

Vinho e Calor
Vinho e Luz

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Um Sommelier em Ação

domingo, 1 de julho de 2007

Referências Bibliográficas

A maioria dos artigos aqui presentes está baseada em informações obtidas em artigos de revistas, sites e livros citados nos próprios artigos. Entretanto, ao discorrer sobre os textos mencionados, utilizo referências e informações obtidas ao longo dos meus estudos, muitas vezes não explicitados nos textos. Seguem as referências, atualizadas de acordo com a necessidade.

JOHNSON, Hugh. A História do Vinho. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ROBINSON, Jancis (Org.). The Oxford Companion to Wine. Nova York: Oxford University Press, 2006.

BORGES, Euclides Penedo. ABC Ilustrado da Vinha e do Vinho. Rio de Janeiro: MAUAD Editora, 2004.

JOHNSON, Hugh, ROBINSON, Jancis. World Atlas of Wine. Londres: Mitchel Beazley, 2007.

KRAMER, Matt. Making Sense of Wine. Nova York: Running Press, 2005.

BIRD, David. Understanding Wine Technology - The Science of Wine Explained. San Francisco: The Wine Appreciation Guild, 2007.

BALDY, Marian. The University Wine Course. San Francisco: The Wine Appreciation Guild, 2006.

GOODE, Jamie. The Science of Wine. Los Angeles: University of California Press, 2005.



quinta-feira, 21 de junho de 2007

Lembrete para Degustações

Em particular para as mocinhas delicadas e muito conscienciosas da aparência: ao sair para degustações de vinhos, favor deixar o vidro de perfume trancado na penteadeira...

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Sobre a Qualidade e o Preço - Continuação

Para ler a primeira parte deste artigo, clique aqui.

Vimos rapidamente alguns dos fatores que determinam os custos de produção do vinho, mas antes que o precioso líquido chegue às mãos dos consumidores, há ainda uma série de etapas a serem vencidas.

Antes de tudo, embalagem:
  • Beleza não põe mesa, mas as garrafas mais bonitas com rótulos charmosos e elegantes sem dúvida são convidativas e atraentes. Mas têm um custo.

  • Embora muitas pessoas digam não ligar para embalagem, há fatores objetivos relacionados à ela:

  • Garrafas mais pesadas, de vidro grosso e resistente, dos vinhos de mais alta qualidade, não são simplesmente objetos fetichistas para exibir poder e status: garantem uma proteção eficiente a um vinho que tem potencialmente muitos anos de vida - e um custo elevado demais para se arriscar a quebrar por qualquer coisa.

  • As meias-garrafas, tão úteis para muitos, mas incompreendidas por quase todos, normalmente custam 70% - e não 50% - do valor total de uma garrafa. Os custos de insumos secos, como garrafa, rolha, rótulo, são os mesmos dos para garrafas de 750 ml. Os de mão-de-obra, transporte, taxas alfandegárias, também. Pior: muitas vezes, taxas são acrescidas em função do valor reduzido do produto líquido...
Em seguida, o frete. Muitos dos vinhos que consumimos fazem uma "discreta" viagem até o nosso país. Europa, Austrália, África do Sul...
  • O Chile, que muitos pensam ser vizinho, está na verdade a uma distância de entrega considerável: os vinhos navegam pelo Pacífico até fazerem a volta pelo sul, chegando até nós pelo Atlântico.

  • Trazer vinhos dos Estados Unidos custa mais caro que trazê-los da Europa!

  • A Argentina poderia ser o que se salva, pois está muito próxima geograficamente e recebe um descontinho nos preços por conta do Mercosul, o que nos leva a tratar dos impostos:
que talvez sejam o ponto de maior impacto para o mercado.

Muitos apreciadores, quando têm a possibilidade de fazer uma viagem a um país produtor, se dão conta da IMENSA diferença de preços de lá para cá. Muitas vezes um vinho pode ser comprado com diferenças de até 300%!!!

O que a maioria não sabe é que, antes de pagar ao produtor, um importador no Brasil tem de pagar - além do frete - ao governo.
Fato é que, assim que o vinho entra no porto, o importador tem que pagar à vista, em dinheiro, transferência imediata, pegou-pagou, o equivalente a 115% do valor daquele carregamento!
E, com "valor do carregamento", quero dizer TODO o custo que esteja declarado, somando-se o frete e quaisquer taxas que tenham sido embutidas na nota (vocês não acham que o governo do país de origem ia perder uma boquinha dessas também, não é?).
Não se esqueçam de considerar as diferenças tributárias internas (Minas Gerais e sua famosa "Substituição Tributária") e das distâncias e condições de frete ao reclamar também das diferenças de preço entre os estados!

Comecem a fazer uns cálculos simples e verão que, até que o vinho possa chegar às mãos do consumidor, não há muitas formas de conter os preços com relação ao valor original. Por outro lado, sabendo de que forma se constrói o preço, não somente valorizamos a garrafa que estamos adquirindo como podemos procurar nos proteger de eventuais abusos que o mercado impõe.


sexta-feira, 1 de junho de 2007

Banalização da Complexidade

Revue du Vin de France, edição de abril.
Coluna de Éric Riwer:

"Le Figaro quer 'acabar com a eno-complexidade', a saber, o fenômeno pelo qual os franceses ficam complexados pela sua falta de conhecimento sobre o vinho. Segundo uma sondagem efetuada pelo Ipsos-Afvin, 60% dos franceses confessam não compreender nada sobre vinho.

Isto explica a constatação publicada por Les Échos em um artigo entitulado 'O mundo do vinho faz sua pedagogia'. Gérard Bertrand explica: 'É necessário propor códigos de leitura diferentes [...] para tornar o mundo do vinho mais acessível'. Ele mesmo comercializa vinhos com nomes como 'Viognier Voltigeur' e 'Syrah Canaille'.

Boa idéia ou furada? Eu sou a favor da inovação, mas permaneço surdo aos chamados imbecilizantes das sereias do marketing da tendência fun.

Paralelamente à redação desta coluna, tenho responsabilidades em uma escola de arte. Lá eu me asseguro de que todos os dias a demanda pedagógica exija uma mistura fina de rigor e de estrutura, enriquecidos com fantasia e criatividade. É um trabalho no fio da navalha, que demanda equilíbrio e exigência, mas em que a vertigem não está nunca muito longe. Querer reduzir o aprendizado de uma arte ou de um mundo complexo a noções simples que tocam a superficialidade me parece roubar no xadrez.

Não se deve banalizar um mundo rico, pleno de sentidos e de sensações. Ele deve permanecer um prazer. Como diz a jornalista Jacqueline Friedrich, 'o mundo do vinho é talmente interessante que, quanto mais se aprende, mais tem-se vontade de aprender. O vinho abre todos os tipos de janelas'."

Por coincidência - ou talvez não - três cartas da seção de correspondência da mesma edição respondiam a algum leitor que na revista anterior tinha se manifestado a favor de simplificar as etiquetas. Uma delas:

"Eu gostaria de reagir à carta de Fulanô, que julga os vinhos franceses muito complicados. Reduzir o número de informações nas etiquetas é rebaixar a distribuição do vinho à de um produto de supermercado, sem se preocupar com o que o consumidor quer ou procura. Diga aos amadores que pensam que as etiquetas são muito complicadas que eles podem bater na porta de uma adega: eles terão as respostas às suas questões e encontrarão também um serviço real."

Vou esperar pra ver se alguém vai comentar. Tem alguém aí??

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Sobre a Qualidade e o Preço

Château Lafite 1787: US$ 160.000,00
Domaine de La Romanée Conti 2001: US$ 8.000,00
Don Melchor 2002: R$ 225,00
Don Laurindo Gran Reserva 2002: R$ 121,95
Chapinha: R$ 4,00

Algumas pessoas com freqüência se assustam com a quantidade de algarismos que pode atingir o preço de certos vinhos e eu diria que a indignação pelos milhares de dólares por uma ou outra garrafa de raridade inigualável ou grande apelo de status é até fartamente justificável.

É importante, porém, não deixar de debater, especialmente com os mais recém-chegados ao mundo do vinho "de qualidade" (pra não usar o termo "fino", que de tão mau-gasto já virou foi "magro") sobre a escadinha de preços e qualidade que existe tão explicitamente no mercado, já que, apesar das aparências, esta não é uma questão necessariamente aleatória.

De acordo com Bill Turretine, presidente da Turretine Brokerage - uma empresa americana que se encarrega de comprar e vender uva e vinho pronto para os grandes produtores - podemos realizar uma fórmula simples:

Valor do Produto = Qualidade + Relação Qualidade/Preço Percebida

Isso pode ser verdadeiro para um produto relativamente simples e dá uma noção de por onde começar, mas a cadeia de produção e distribuição de vinhos é tão ampla e complexa que se torna difícil para alguém na ponta final perceber a quantidade de fatores que influenciam no custo e qual o real valor disso para ele mesmo.

Pois bem, porque o vinho custa o que custa?
Vamos começar com a Produção:

O primeiro, primordial e mais importante fator, é a uva.
Base da elaboração do vinho, a uva é o princípio do custo e sua qualidade e a quantidade de trabalho envolvida em seu processamento são os fatores que mais nos interessam.

Enquanto uvas produzidas em larga escala - por consequência com menor concentração dos componentes que depois irão caracterizar o vinho resultante - custam X, as uvas extremamente selecionadas, com até um terço do rendimento por hectare das anteriores, originárias de terrenos especialmente dotados de elementos que enriqueçam a bebida, podem vir a custar até 60X, incluindo aí na conta o potencial valor percebido que sua região de origem possa acarretar.

A diferença de custo passa, portanto, pela série de opções a que o enólogo tem acesso e que influirão diretamente no vinho produzido. De acordo com Christopher Fielden, da WSET, as prioncipais são:

  • Mão-de-obra e trabalho requeridos: vinhedos isolados, em terrenos íngremes, etc. contribuem muitas vezes para frutos de qualidade superior mas possuem custos superiores, por exemplo, a impossibilidade de uso de maquinários agrícolas.
  • Custo e disponibilidade de mão-de-obra, o que varia de região para região.
  • Economia de escala: quanto mais vinho, maior a diluição do custos, mas menor a possiblidade de se obter alto nível de qualidade.
  • O grau de seleção das uvas, o que constitui trabalho de custo elevado. Além disso, material descartado = menor quantidade de produção.
  • Rendimento: maior quantidade de uvas produzidas permite uma divisão dos custos fixos melhor, enquanto produções reduzidas podem resultar em maior qualidade.
  • Custo da terra: algumas regiões têm um custo extremamente elevado, seja por suas características - e conseqüente qualidade do vinho produzido - que por eventuais competições pelo uso da terra, como no subúrbio de Santiago do Chile ou Adelaide, na Austrália.
    Na Itália, por exemplo, há uma regulamentação MUITO estrita sobre o espaço de produção destinado ao vinho: praticamente não se pode plantar nada sem que outro vinhedo seja removido!
  • Equipamento utilizado: existe uma infinidade de diferentes equipamentos com diferentes objetivos, desde os mais simples (armazenamento do mosto a ser transformado em vinho) aos mais complexos (cones para remoção do excesso de álcool através de osmose reversa). Cada um deles tem seu custo e sua utilidade para a produção de vinhos de qualidade.
  • Barricas: uma barrica de carvalho francês, reconhecidamente o mais desejável na produção vinícola, pode custar de 700 a 800 euros e não é aproveitada por mais do que 3 ou 4 anos.

Já veremos como a embalagem, a distribuição e os impostos afetam os custos do vinho. Enquanto isso, para ler, em inglês, um exercício aproximado de elaboração de custo de um vinho, clique aqui.


Para ler a segunda parte deste artigo, clique aqui.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Visita à Bodega Araucano

Mais um texto publicado no site do Gerson, foi escrito durante minha viagem ao Chile, em Novembro do último ano. Bom proveito!

A claridade ofuscante ressalta a sequidão do solo, terra solta poeira pura, ao longo dos três quilômetros que o amadorismo me forçou a caminhar. A brisa do Pacífico alivia o calor com sopros intermitentes, de modo que os vinte minutos de caminhada até a sede da Hacienda Araucano não acabem por me cozinhar.

A região, o Vale de Lolol, é um pedaço de terra seca, de vegetação retorcida, serpenteando em meio às colinas da cordilheira costeira, a cerca de quarenta quilômetros do mar. Pela manhã a influência marítima se faz visível, com densas brumas que refrescam e umedecem os 16 hectares de jovens e variadas cepas para experimentação que os irmãos Lurton já têm plantadas em torno do galpão em forma de chalé achatado e cores típicas das casas da região.

Ao me aproximar do portão e começar a caminhar entre as videiras, observo os quatro camponeses Lololinos trabalhando nas vinhas, retirando os talos de folhas excessivos e limpando a terra. Ao fundo, uma escavadeira e um trator preparam as encostas para que, ao longo do próximo ano, o "jovem e precoce" enólogo Luca Hodgkinson com sua equipe possa dar continuidade a duplicação da plantação de Pinot Noir, Carménère, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Syrah, Sauvignon Blanc que, ao longo dos próximos cinco a dez anos serão atentamente observados e cujos vinhos talvez finalmente revelem a vocação do vale.

Dentro da bodega o pé direito elevado garante uma temperatura agradável, mas quase não consigo enxergar pelo contraste de luz. O barulho ritmado da bomba de água quente lavando as garrafas é a única manifestação de vida lá dentro e, enquanto meus olhos se habituam à sombra, começo a identificar o maquinário de trabalho da pequeníssima boutique de vinhos.

Embora envolta na amplitude do vale de Lolol, a bodega tem porte de produção de boutique: duas pequenas prensas hidráulicas verticais, uma pneumática, dois tanques de cimento revestido e cerca de 6 de aço fazem todo o trabalho de produção dos vinhos mais finos, que completam sua maturação nas cerca de 370 barricas francesas de 255 e 500 litros.

Em pouco tempo Luca, um rapagão loiro alto, de óculos escuros sobre os cabelos e sorriso jovial e divertido me está guiando pelo processo de produção e me mostrando as plantas bem jovens que mal começaram a produzir uvas. Filho de inglês e francesa, nascido e crescido na Espanha, formado na França, o responsável por toda a produção dos Lurton no Chile (conduz o cultivo e processamento de uvas em três diferentes vales) tem somente 24 anos e é um autentico cidadão do mundo. Descreve com entusiasmo o trabalho que faz e como Jacques Lurton mantém, mesmo no Novo Mundo, a cultura do vinho do Velho Mundo. Os vinhos, embora mostrem a potência, a cor, a energia dos países "novatos", não perdem por nada a elegância e a fineza que os europeus sabem imprimir à bebida que lhes acompanha já há milênios.

Degustamos juntos praticamente toda a linha Araucano, enquanto falávamos de Chile e França, ltália e Brasil, de preços e comida, de gente e videira. Delicioso o frescor, tipicidade e equilíbrio dos três Sauvignon Blanc (Los Arbolitos, Araucano e Gran Araucano), destacando-se o mais simples deles pela admirável relação custo-benefício e o mais elaborado pela deliciosa textura e a quantidade de frutas que seguem aparecendo durante a degustação.

Clos de Lolol, um corte de Cabernet e Carménère elaborado somente com uvas do Vale de Lolol, mostra com eloqüência tudo que Luca queria dizer: com uma fineza e equilíbrio dignos de um nobre europeu e a vivacidade e energia de um latino americano que, apesar de já apresentar os traços de seus quatro anos de vida ainda possui vigor para mais anos na garrafa.

Depois da degustação, que também incluiu os outros três vinhos da linha Araucano e o Carménère Premium "Alka", fui convidado a almoçar na Casa de Hóspedes da Hacienda, onde a simpática Silvia nos serviria uma receita que, com orgulho, ela declarou inventada ali mesmo, para aquele almoço: Peru ao forno com passas, amêndoas, bacon e ameixas, acompanhado de purê de acelga, escoltado com segurança e delicadeza pelo Clos de Lolol.

A Casa de Hóspedes é uma construção que segue os padrões da "arquitetura" da região, com um lado todo em vidro que dá uma visão ampla (e estonteante) de todo o vale. Ali se recebem os convidados da Bodega, inclusive para pernoite (hmm, o que a falta de comunicação não nos faz perder...).

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Sobre Tampas e Roscas

Devido à absoluta falta de produção durante o mês de abril, seguem textos elaborados para o site do enófilo Gerson Lopes. Quem sabe em Maio não teremos novidades...

Uma das maiores polêmicas do mundo viti-vinícola, a tampa de rosca ou screwcap, em inglês, está invadindo nossas casas (ou adegas, seria melhor). Produtores de todo o mundo, desde os pioneiros neo-zelandeses e australianos até os tradicionalistas franceses estão substituindo por experimentação, plena confiança ou resignação, suas tradicionais rolhas de cortiça pelas tampinhas metálicas de girar.

Robert Parker, o mais renomado guru dos vinhos em todo o mundo, não deixou passar em branco quando fez suas “12 predições sobre mudanças sísmicas que influenciarão a forma como compramos, o que compramos e quanto pagamos” em vinho, na revista americana Food and Wine. Segundo ele “vinhos engarrafados com rolhas serão minoria em 2015”, pois mais e mais vinícolas de todos os níveis estão mudando para as roscas os vinhos a serem consumidos entre 3 e 4 anos (cerca de 95% por cento dos vinhos do mundo).

O chefe de adega Michael Kerrigan se surpreende com a resistência de parte do público em entrevista à Liquor Watch da Austrália: “É estranho que exista, uma vez que algumas das mais caras bebidas alcóolicas do mundo (single malts, etc.) são fechadas com rosca e têm total aceitação do mercado”.

O que as tampas de rosca possuem de tão importante que tantos produtores optam por substituir o charme das antigas rolhas por tampinhas metálicas?

1. Em primeiro, e mais importante, lugar: elas não afetam o vinho.

As rolhas, elaboradas com a casca do sobreiro, estão sujeitas a fungos e contaminações que podem modificar diretamente o vinho.

2. Não estão sujeitas a movimento.

Por serem seladas com alta-pressão, mudanças de temperatura e pressão interna da garrafa não podem permitir a entrada de oxigênio nas garrafas, como podem quando são suficientes para movimentar as rolhas.

3. O isolamento é completo, impedindo a oxidação prematura do vinho.

De forma que podemos esperar de cada garrafa exatamente o que se declara dela, sem variações abruptas de características e de qualidade.

Sem dúvida nenhuma o vinho está imageticamente relacionado às rolhas de cortiça e aos saca-rolhas, ao ritual do corte das cápsulas e ao trabalhoso (e às vezes cansativo) esforço de se retirar o bouchon. Não teremos, porém, escapatória: cada vez mais vinhos, de diferentes níveis de qualidade utilizarão as novas, seguras, mas menos estéticas tampas de rosca.

A Screwcap Initiative, grupo neo-zelandês de viti-vinicultores que difunde a utilização da tampa de rosca, possui um completo site com todas as informações necessárias sobre o funcionamento e utilização das tampas de rosca.

sábado, 31 de março de 2007

De Frescuribus non Proliferandus Est (ou Deveriabus Ser) III

Se você não leu a segunda parte, clique aqui. Se não leu também a primeira parte, clique aqui.

Estimados clientes,

Os restaurantes têm uma medida para as taças de vinho. A menos que você perceba que há uma variação na quantidade, por favor entenda que o preço cobrado é pela quantidade de vinho calculada, e isto não quer dizer uma taça de vinho menos um centímetro, não importa que tamanho a taça tenha.
Mas, na verdade, este tópico se refere aos malfadados tamanhos das taças. Pra variar, não há regras para isso:

Lição 5: O tamanho da taça é diretamente proporcional à probabilidade do cliente reclamar sobre a quantidade de vinho.

Estou parecendo uma professora do primário, mas vamos lá:

O copo de água pode ser de qualquer tamanho, cor, formato, nacionalidade; basta que ele agrade aos proprietários da casa, seja ela um restaurante ou um lar.

A taça de vinho, branco ou tinto, deve ser antes de tudo confortável. Algo muito pequeno não só não comporta uma boa quantidade de bebida, como impede a nós, apreciadores, de perceber os aromas do vinho em toda a sua plenitude.

É importante que reste algum espaço entre a boca da taça e a superfície do vinho e é também por isso que não se deve encher demais uma taça. Eu diria que não mais que um terço, mas na prática nunca mais que dois deles.
É neste espaço onde o ar do ambiente irá permanecer em contato com o líquido, desencadeando uma série de reações e é também onde a nuvem de aromas irá permanecer, semi-enclausurada, esperando nossos narigões.

Existem taças projetadas específicamente para diferentes tipos de vinhos. Estas taças custam cerca de R$100,oo (unidade, não peça-pedaço-quilo) e são de um objetivo que ultrapassa as agradáveis noitadas dos meros mortais.


Bem, acho que é isso. Penso que seja MUITO muito importante ressaltar que estas são as minhas conclusões sobre estes assuntos, e não regras que gostaria de determinar. Como ex-garçon e sempre-cliente, estive dos dois lados da taça e sei que não é fácil pra nenhum dos lados. Se qualquer um de vocês tiver uma opinião, história ou certeza sobre qualquer coisa, por favor compartilhe conosco.

sexta-feira, 30 de março de 2007

De Frescuribus non Proliferandus Est (ou Deveriabus Ser) II

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Lição Três: Sobre como eu, que estou pagando e não gostei do vinho, mando devolver a garrafa, que está ruim.

Pois é, meus amigos. Eu gostaria de ter um "dinheiros" (D$, moeda corrente no mundo da imaginação dos clientes de restaurantes) para cada garrafa bouchonée que foi tomada como se fosse um Grand Cru Classé de alguns milhares de dólares, enquanto inúmeras garrafas de vinhos em excelente estado de conservação são devolvidas aos garçons por "certamente estarem avinagradas".

1. Bons produtores, bons importadores e bons restaurantes MUITO raramente permitem que um vinho que possa estar "avinagrado" chegue até mesa.
Para que o vinho se torne GRADUALMENTE vinagre, é necessário que ele entre em contato com a bactéria que realiza a fermentação acética E, vejam bem, E haja contato com o oxigênio. Ou seja: garrafa limpa, uvas saudáveis e rolhas de mínima qualidade não geram vinhos avinagrados assim, à toa.

2. Reconhecer um vinho bouchonée requer treino. Algumas vezes, não se percebe no nariz, mas sim na boca. Outras vezes, aromas desagradáveis de redução (fenômeno físico-químico que acontece na ausência de oxigênio) ou por um excesso de conservantes utilizado pelo produtor se apresentam no início mas logo desaparecem, confundindo o desavisado.

3. (e mais importante do que todo o resto)

Não gostar do vinho não implica em poder devolvê-lo. Se foi uma indicação do sommelier ou garçon, faça-o saber de quais características no vinho você não gosta e pense duas vezes antes de aceitar nova sugestão, mas não obrigue os outros a arcar com seu próprio gosto.

Lição Quatro: Ainda nao entendi o que é boxonê, mas vinho com rolha de prástico eu não tomo.
ou
Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que protege é cortiça.

A rolha ainda é, sim, o melhor dos vedantes para as garrafas. Porém, é também um produto natural, escasso, de alto custo de produção (um sobreiro leva 40 anos para produzir a primeira casca de boa qualidade e depois produz somente mais 4 "safras", uma a cada dez anos) e sujeito a contaminações que podem afetar o vinho.

Bouchonée é, portanto, o vinho que foi afetado pela rolha ou, mais precisamente, por uma substância produzida por um microorganismo, chamada TCA, ou tri-cloro-anisol. As rolhas sintéticas, assim como as tampas de rosca e outras formas de vedação menos conhecidas, foram criadas para procurar emular as propriedades da rolha diminuindo o custo e anulando o risco de contaminação.

Embora ainda se saiba bem pouco sobre alguns aspectos dos novos vedantes, há experiências bem-sucedidas com todos eles, inclusive com relatos (muitos) de vinhos submetidos a guarda de 30 anos com tampas de rosca.

Donde concluo eu que, se o vinho está bom, não interessa como foi fechado...


Para ler a terceira parte, clique aqui.

terça-feira, 20 de março de 2007

De Frescuribus non Proliferandus Est (ou Deveriabus Ser) - Ou "Larga de Frescura com a Minha Garrafa de Vinho!"


Acabo de descobrir mais uma fonte, dentre as muitas do momento "blog de vinhos", de boas referências online sobre vinho: o site "Bacco e Bocca", que vocês podem encontrar na seção "Outros Perípeces" ao lado.


Bacco e Bocca é uma "dupla de cinco" amantes do vinho, alguns deles aparentemente profissionais do vinho, mas inimigos da baboseira enológica (e restauratológica) que se espalha com agilidade pelo território nacional e um dos artigos mais ácidos e inteligentes deles é sobre a "frescura no serviço e consumo de vinho no Brasil", o que é muito visto e pouco debatido por aí.

Já há algum tempo venho realizando pequenos treinamentos com equipes de serviço em restaurantes e, ao contrário do que os proprietários (e da própria brigada) esperam, antes de conseguir falar qualquer coisa sobre os vinhos da carta não consigo evitar abordar alguns assuntos mais, hmmm, imediatos com eles, tais como a importância de conhecer o produto que está sendo vendido, antecipar-se ao cliente observando-o e de fato interpretando-o para decidir como agir durante o serviço e etc.

É por aí que chegamos ao ponto que Iacovos, colaborador do Bacco e Bocca, explorou com tanta, vamos dizer, pungência: a série de frescuras, tradições e expectativas que o brasileiro absorveu e/ou gerou sem pensar sobre o assunto. Seguem algumas delas, as que normalmente aparecem rapidamente nas reuniões com as brigadas:
  • A Rolha: cheirar ou não cheirar, eis a questão;
  • A Prova: decidindo se o vinho está bom;
  • A taça: a grande é pra água e vinho branco, a pequena, para vinho tinto. Não, é o contrário. Não, a maior para água, a segunda para tintos e a terceira para rosé. Não, é o contrário.
  • Quem escolhe o vinho? O homem ou a mulher?
  • A temperatura ambiente: essa amiga do tinto.
  • A adega: garrafa deitada ou morte!

Durante minha nada longa experiência de pesquisa sobre vinho, pude encontrar uma e outra curiosidade sobre a origem de alguns "mitos do vinho" e também um ou outro autor que decidiu levar adiante com inteligência algumas perguntas que haviam ficado grudadas no coador da tradição e vou passar para vocês as minhas impressões até o momento.

Lição Um: O Tahiti não é aqui.

Ou a Europa, pra ser mais exato. Portanto, a temperatura ambiente (que não é a temperatura de serviço dos vinhos nem lá) do Brasil não é exatamente a que encontramos nas adegas subterrâneas de Paris. Esse negócio de que "vinho branco é servido gelado e vinho tinto à temperatura ambiente" NÃO EXISTE.

Assim como com quase todos os outros aspectos do mundo do vinho, não há lei, mas sim linhas gerais de orientação, para que as pessoas não se percam.

Vinhos brancos podem ser servidos bem gelados (7°-8° no caso de alguns espumantes) ou gelados (10°-12°, no caso de brancos frescos e leves) ou, até mesmo, suavemente gelados (14°-15°, para brancos mais complexos que tenham mais o que mostrar aromaticamente).
Os tintos normalmente ficam desagradáveis abaixo dos 15° (lembrando que o frio diminui a intensidade de aromas de QUALQUER COISA e também anestesia nossos receptores sensitivos), mas também mostram-se muito tânicos e desequilibrados acima dos 20°.

Lição Dois: Mamãe já dizia: em Roma como os Romanos!

Há alguns milênios atrás, num dia primaveril, um patrício romano, que tinha em sua adega algumas ânforas de vinho, teve a memorável idéia de servir para seus convidados um pouco daquela reserva pessoal de tão delicioso néctar.

Mandou descer um dos escravos e trazer uma das ânforas, lacrada, é evidente, como deveria ser: algum tipo de tampa rústica que merecia a maldição de todos os Deuses Familiares da casa, pois evitava que seu vinho se derramasse ou que alguma sujeira se depositasse ali dentro, mas não o protegia de alguma coisa (o ar, talvez, ou quem sabe alguma praga rogada por um vizinho) que o transformava, com o passar do tempo, em algo desagradável e ácido.

Um de seus amigos, bastante viajado e culto, havia aprendido com algum mercador fenício um truque: se um ou dois goles de azeite (melhor se abençoadamente comprado do templo) fosse derramado dentro da ânfora, magicamente o vinho não se estragaria tão rápido.

O patrício, como bom anfitrião, a cada vez que deveria servir um de seus fantásticos e bem-conservados vinhos, fazia questão de, num só gole, deglutir todo aquele azeite, que certamente não tinha a mesma textura nem o mesmo sabor do vinho.

E é assim que, até hoje, todos os bons anfitriões fazem questão de deglutir o primeiro golinho de cada garrafa, para se certificar de que seus convidados não estão ingerindo nem uma gota de líquido estranho e viscoso, o que nos leva à próxima parte...

Para ler a segunda parte, clique aqui.
Para ler o artigo dos Bacco e dos Bocca, clique aqui.

segunda-feira, 12 de março de 2007

De Gustibus Non Disputandum Est 2

Se você não leu a primeira parte, clique aqui.

Muito bem, vamos retomar o Gosto.

É fácil observar toda a polêmica dos infinitos debates sobre a tecnologia de produção, sobre as opções que o enólogo tem. Qualquer apreciador com um pouquinho mais de tempo de taça já se embrenhou em uma conversa:

· sobre inner-staves ou oak chips (tábuas facilmente manobráveis dentro dos tanques de aço ou lascas de madeira que, de certa forma, substituem as barricas de carvalho ao doar ao vinho aromas e sabores característicos);
· sobre screw-caps (as famigeradas tampas de rosca, que a maioria simplesmente não considera ao falar de vinho, mas nem percebe nas garrafas de whisky e de várias outras das bebidas mais renomadas e, às vezes, mais caras do mundo);
· sobre chaptalização, desalcoolização, parkerização, michel-rollanderização ou qualquer outra das tendências do mercado enológico atual.


Com o dedo na ferida: tem gente esquecendo de que é o GOSTO das pessoas que molda o PRODUTO no mercado e o gosto das pessoas hoje é bem claro: as pessoas querem sabores que se apresentem de imediato; querem vinhos prontos para beber; querem maciez e dulçor; e TODO MUNDO quer novidade o tempo todo.


Como faz notar Eric Asimov, colunista de vinhos do New York Times, a imensa maioria dos vinhos vendidos no mundo é elaborada industrialmente. “Eles são commodities e os produtores têm todas as justificativas do mundo em utilizar a tecnologia que esteja à disposição para criar um produto que venda”, defende Asimov.


De fato, não é de se julgar a Fiat por fabricar Uno Mille, só porque a Rolls Royce e a Land Rover fazem carros dignos da realeza britânica. O Uno, como os vinhos que obtiveram suas características organolépticas através de métodos mais baratos e rápidos de produção, tem um objetivo e um público específicos, enquanto os Rolls Royce e os Grands Crus franceses têm os seus próprios objetivos e um público extremamente restrito.


Um dos exemplos mais eloqüentes da acirrada “Disputa do Gosto” é o uso da madeira de carvalho na produção vinícola. Desde tempos imemoriais, a madeira vem acompanhando o vinho: inicialmente, era somente um veículo, um recipiente para estocagem, dado que, nas condições ideais, era um material estanque, de boa manobrabilidade e fácil de trabalhar e dar forma.


Com o passar dos anos, produtores perceberam que, de acordo com as características da madeira utilizada (a espécie da qual provinha, o tamanho do recipiente, o quão nova ou velha é a madeira, etc.) o vinho recebia esta ou aquela influência.


Com a entrada de fato dos americanos no mercado mundial de vinho, a madeira adquiriu um papel central e de relevância como nunca antes. O uso de barricas pequenas de carvalho novo, com tostado forte (ou pelo menos médio), garantia que a passagem do vinho pela madeira não passasse despercebida, pois seus reflexos no vinho tinham caído no gosto do público.


Madeira no vinho é, como tudo em enologia, uma questão de opção e de gosto, não necessariamente de qualidade. Pessoalmente, os vinhos excessivamente amadeirados, como os excessivamente frutados (e os excessivamente alcoólicos, os excessivamente ácidos, os excessivamente no geral), não são os que mais me agradam, embora sejam, muitas e muitas vezes, excelentes companheiros de taça.


Para ler a opinião de Asimov sobre a tecnologia no mundo do vinho, clique aqui.
Para ler outras peripécias, clique aqui.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

De Gustibus Non Disputandum Est

Lawrence Osborne, no livro “O Connaisseur Acidental”, preocupa-se, desde o início, em descobrir se é ele quem trai seu próprio gosto ou se é seu gosto quem o trai. O dilema é autêntico: o autor, como eu mesmo, duvida das próprias opiniões.

Talvez a maioria de nós, com um segundo de reflexão sobre seu próprio paladar e opniões estéticas, possa chegar à mesma bifurcação: uma certeza de que gosta do que gosta e uma dúvida aguda sobre o próprio gosto.

Afinal, o gosto o que é?

1. Fisiologicamente: é uma propriedade perceptível pelo corpo através das papilas gustativas, pequenas formações na superfície da língua e da mucosa bucal que captam os diferentes estímulos de acordo com o tipo de célula sensorial que a papila possui.
Os gostos propriamente ditos são somente cinco: doce, amargo, salgado, azedo e umami, aos quais correspondem em nossas bocas células específicas.

2. O gosto é definido no dicionário também como:

  • prazer;
  • agrado;
  • satisfação;
  • vontade
  • simpatia
  • elegância
  • maneira
  • critério artístico

Portanto, o aspecto cultural do gosto é um tantinho só mais complexo: o que para uns é o ideal, para outros é exatamente o avesso. O que agrada em uma época, em outra causa asco e repúdio. Olha só:

Hmm, que modelito, hein? Ideal para... hm... para...
bem, como diz a máxima latina, De gustibus non disputandum est ou, em bom português, gosto não se discute.

O que isso nos diz sobre o gosto do vinho?

A grande discussão no mundo do vinho hoje (se nos esquecermos de pequenezas como tampas de rosca e rolhas de plástico) é justamente o GOSTO.
Novo Mundo x Velho Mundo, Homem x Terroir, são debates que refletem o que o enófilo quer encontrar no vinho, mais do que o processo em si.

CONTINUA...

Para ler a segunda parte, clique aqui.
Leia mais peripécias em Vinho e Sexualidade

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Sobre Bares de Vinho

O blog Vinography, recentemente premiado na França como melhor wineblog internacional, soltou mais uma muito boa. Seu autor, Alder Yarrow, elaborou uma interessante análise sobre os Bares de Vinhos que estão pipocando para todo lado.
Não posso negar que toda essa propaganda aqui nas Peripécias se deva ao tanto que me identifiquei com o que ele pensa, em especial considerando o bar de vinhos Outono 81, em Belo Horizonte, que carreguei no colo com os proprietários...

Seguem os pontos mais importantes, mas você pode clicar aqui para ler na íntegra em inglês.

"Talvez você já tenha vivido isto também: entrar no recentemente inaugurado "Bistrô e Wine Bar" num bairro agradável somente para descobrir que é na verdade só um restaurante (às vezes inclusive com total ausência do móvel a que "Bar" geralmente se refere) e que serve vinho em (normalmente excessivamente cheia e impossível de girar) taça. Eu muitas vezes acho que tais estabelecimentos, mesmo aqueles em que se econtra um balcão onde se sentar, não somente não se parecem em absoluto no serviço ou na oferta de opções com o que eu penso ser um wine bar, como freqüentemente possuem cartas que são piores do que as da maioria dos restaurantes (...)

O QUE TORNA UM BAR DE VINHOS UM BAR DE VINHOS?


No fim, não é assim tão complicado. Um verdadeiro bar de vinhos precisa de duas caracteristicas básicas:

1. O estabelecimento precisa ter uma extensa carta de vinhos oferecidos em garrafa, taça E* dose de degustação ou meia-taça (cerca de 60ml). A carta tem de variar de tempos em tempos.

2. O estabelecimento deve ter um lugar para sentar enquanto se aproveita o vinho, algo que pareça de fato um "bar" ou mesmo mesas, cadeiras ou sofás de qualquer tipo. Se o lugar é um restaurante também, ele deve ter uma área assim separada do salão de jantar tradicional.

(*Nota do Bernardo: o negrito é responsabilidade minha.)

O QUE NÃO É UM BAR DE VINHOS?

Um restaurante que por acaso tenho uma lista de vinhos em taça (não interessa o quão longa ou boa) NÃO é um bar de vinhos, não interessa o que diga a placa do lado de fora. Uma loja de vinhos que tenha uma pequena área onde às vezes (anunciadamente ou não) sejam servidos vinhos para que os clientes degustem também não se qualifica ao título. E um bar que também sirva vinhos em taça? Não.


O QUE FAZ DE UM BAR DE VINHOS UM ÓTIMO BAR DE VINHOS?


A Carta de Vinhos
A arte da carta para um Bar de Vinhos é sutil e pouco compreendida. As melhores cartas incluem vinhos de fora das seleções "batidas" - vinhos que você nunca encontraria num supermercado ou uma lojinha de vinhos de esquina. O tamanho da carta pode, às vezes, ser um "plus", embora nem sempre. Como amante do vinho, eu aprecio diversidade e opção de escolha, mas não há valor inerente em um número gigantesco de opções. Elas têm de ser BOAS. O tipo de cartas que eu gosto inclui todo tipo de vinhos de muito lugares pelo mundo e freqüentemente possui safras mais velhas para se degustar também.

A Cristaleira
Os melhores bares de vinhos têm de ter taças de cristal adequadas e em grande quantidade. Elas são lavadas direito, enxaguadas extensivamente e polidas à mão. Quando você põe o nariz em uma dessas taças, elas têm cheiro de nada, exatamente como deveriam.

A Comida
Eu gosto de uma comidinha com meu vinho. Eu não preciso, porém, que meus bares de vinho sejam restaurantes completos. Se eu quisesse uma refeição de fato com meu vinho, eu iria a um lugar onde eles possam me servir uma. Mas eu realmente penso que a maioria dos bares de vinho deveriam oferecer algum tipo de petiscos para se comer com o vinho e os melhores deles vão se preocupar em selecionar queijos que não sejam de supermercado e pães frescos artesanais.

O Serviço
Serviço pode fazer uma diferença enorme numa visita a um bar de vinhos, no mínimo porque é extremamente desapontador quando você pergunta algo sobre um vinho à pessoa que está servindo e ela não sabe responder. Os melhores bares de vinho, na minha opinião, estão equipados com pesoal com um mínimo de conhecimento sobre os vinhos que servem e que sabem como serví-lo corretamente, da escolha das taças até a decantação de uma garrafa especial."





Boa caça!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Para ficar Bonitão

Pra quem quer ficar bonitão com a taça de vinho na mão:

Hot Damn! Wine Makes You Sexier!

sábado, 20 de janeiro de 2007

Beber ou Degustar

Nos dez excepcionais dias em que estive no Chile no último ano, uma das experiências mais marcantes que tive foi a convivência com um conjunto de enólogos jovens, estudantes da pós-graduação em Enologia da "Universidad de Chile".

Todos muitos dispostos a um bom debate, simpáticos e cada um com uma carga de experiência enológica completamente diferente da do outro, portavam todos, uns mais outros menos, uma peculiaridade que me chamou muito a atenção.

Com este grupo de enólogos visitei dois diferentes eventos de vinho, em que muitas amostras estavam disponíveis para prova. Ávidos por experimentar coisas novas e descobrir o que os produtores estavam conseguindo em diferentes regiões, fomos ao ataque de taça em punho: prova após prova, vinhos analisados quase mecânicamente.

Maravilhei-me: treinados exaustivamente para detectar os defeitos dos vinhos que estavam elaborando, meus companheiros debatiam em quantas gramas de açúcar residual o vinho se excedia, se a maciez era glicerina, qual o pH daquele vinho e inúmeras outras questões físico-químicas.

O momento da verdade chegou em um restaurante modernoso num bairro residencial de Santiago. Na hora de jantar, para comer algo gostoso, minha companhia enológica não só não pede vinho, como, ao provar o meu, não consegue desligar seu analisador químico biológico. Em suma: não pára de degustar, não se deleita com o mesmo vinho que faz.

Certamente esse pode ser um caso em particular e, na verdade, imagino que a (relativa) pouca experiência do grupo de jovens enólogos os impeça de fazer mais do que o exercício de análise a que estão condicionados. A questão, porém, vem à tona: beber ou degustar?

CONTINUA...

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Obra Número Um - não se engane, não fui eu.

Opus One, a obra do título, se situa bem no meio, entre o amor e o ódio, o velho e o novo.
Ícone da revolução viti-vinícola nos Estados Unidos, Robert Mondavi, o papa da enologia norte-americana, é o rostinho da esquerda.
Philippe de Rotschild, o barão do vinho francês, representa a tradição européia.
É produzido em Napa, a capital viti-vinícola dos Estados Unidos, com um corte tradicional bordalês: Cabernet Sauvignon (84%) dá o tom do vinho, temperada com Merlot (6%), Cabernet Franc (5%), Malbec (3%) e Petit Verdot (2%).


Custo aproximado em reais? Praticamente não há. O pedaço de ouro líquido não possui importadores no Brasil e há quem diga que é por causa do alto custo e ainda mais alta especulação sobre seu valor. Uma garrafa, na vinícola, custa entre US$100 e US$200, o que, com taxas, conversões e pequenos ajustes a colocaria imediatamente na faixa dos R$600, mas a produção reduzida e a aura de quase divindade dos produtores fazem com que as mesmas atinjam até US$300 ou mais em leilões e vendas diretas entre consumidores.

O vinho de fato é para poucos, mas, maravilha das maravilhas, acredite se quiser, ver para crer, é extremamente coerente na taça. De indeclinável elegância, harmonia e complexidade, em cerca de 50 minutos de degustação só arrancou suspiros, elogios e a admiração dos cada vez mais sequiosos comensais.

Breve Análise Organoléptica
Opus One 2000 - Napa Valley, Califórnia, EUA.
Teor Alcóolico: 14%, muito bem equilibrados no conjunto do vinho.
Uvas: Cabernet Sauvignon 84%, Cabernet Franc 6%, Merlot 5%, Malbec 3%, Petit Verdot 2%.

Visual: vermelho rubi, reflexos violáceos, mostra evolução discreta.
Olfativo: boa fruta, madura sem ser excessiva. Madeira bem integrada, com aromas de caramelo, cravo, noz moscada. Resinoso e terroso.
Gustativo: Maciez inconcebível, estruturado, com boa acidez. Pimenta do reino e talvez um toque de alcaçuz, além dos já vistos cravo e noz moscada. Discreto amargor bem fundido, não incomoda.

Para saber mais
Opus One Winery


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Peripécias Palacescas de um Quase by Bernardo Silveira is licensed under a Creative Commons 2.5 Brasil License.
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