Demorou, mas decidi escrever (talvez um pouco demais) contando como foi que vim parar aqui. Pra quem quer ganhar confiança, ou não tem medo de perder a que talvez já tenha, coragem, lá vamos nós:
Tive a boa estrela de estudar meu segundo grau numa escola um tanto diferente, mas que, como toda escola, oferecia aos estudantes oportunidades pelo menos anuais de apresentar seus trabalhos e demais criatividades para os pais e colegas.
Nessa época, como bom adolescente, eu gastava boa parte do meu tempo útil imaginando coisas para fazer da vida ao invés de prestar atenção às aulas de Latim - e acredite, em 4 anos há muito tempo para imaginar, enquanto o professor recita as Catilinárias.
Dum praedicaba Nazareno, cogitatione Beda iter faceba.
Um dos muitos esboços que fiz, junto a tabuleiros de lig-4, batalha naval e jogos de palavras absurdos, foi uma espécie de taverna, inspirada por algum lema latino do porte de "In Vino Veritas", com balcão e bebidas e ares de antro de rufiões e soldados que, após alguns dias de maquinações mentais e a colaboração de outras mentes férteis, veio a tornar-se o Ad Poculum Vini (Ao Copo de Vinho), provavelmente o primeiro restaurante estudantil da escola, durante a famigerada feira de cultura.
Com um pouco de pesquisa e excesso de imaginação, criamos um barzinho escuro e super-aquecido pelo teto baixo de tecido utilizado para compor uma ambientação. Movido a tortas, pães, chás exóticos, música de época, figurinos estrambólicos e qualquer coisa que tenhamos podido empurrar como "medieval", o restaurante desencadeou um processo do qual muitos saíram ilesos, mas eu não.
Mais ou menos na mesma época, comecei a trabalhar como garçon em uma padaria/bistrot que é referência há muito em Belo Horizonte, onde passei a tomar contato com as bases da cozinha internacional: ingredientes, métodos de cocção, receitas tradicionais. A influência que tiveram esse lugar e as pessoas que eu conheci aí nas minhas escolhas futuras poderia ser descrita como criminosa por meu pai, que alimentava não muito secretamente uma esperança de que eu viesse a me formar em Direito ou algo que o valesse.
Era recorrente que as noitadas entre os amigos se transformassem em pequenas orgias alimentares e eu passei a integrar o time dos que iam para o fogão, sem maiores motivos além do de que tínhamos talvez mais paciência e um risco menor de arruinar a comida que os outros. Enquanto isso, na Sala da Justiça (Gastronômica), eu aproveitava qualquer oportunidade de trabalho pra sacar um dinheirinho enquanto aprendia aqui e ali a fazer alguma coisa da vida, participando de feiras de gastronomia e eventos com a padaria.
A coisa tomou rumo mais definido quando a gerente da casa decidiu montar seu próprio restaurante - o infelizmente falecido Santonim - e me deixar temporariamente no lugar dela. As conseqüências foram desastrosas: o temporariamente se alongaria por cerca de dois anos, durante os quais eu passei a freqüentar degustações de vinho, conhecer fornecedores, participar ativamente do dia-a-dia do restaurante e organizar uma equipe que unia o que se havia peneirado do grupo que eu integrava com gente selecionada e treinada pelo meu próprio punho, me levando a duas idéias que me condeneriam até hoje.
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